Leiam Gl 2.1-10
Introdução
Este texto trata acerca de dois grandes homens que receberam um chamado divino para exercerem ministérios, ao mesmo tempo, idênticos e bem distintos. Idênticos porque ambos foram separados para testemunharem de Jesus, e distintos porque dispunham de ferramentas que os tornavam aptos para exercerem o ministério em contextos diferentes.
Com base no exemplo desses dois homens, serão ressaltados princípios aplicáveis ao ministério missionário no contexto atual.
1. Pedro e Paulo, missionários bem preparados para contextos bem distintos.
Numa leitura panorâmica do livro de Atos, percebemos que Lucas registra a história dos primórdios da igreja e da sua expansão no mundo conhecido da época. No registro dessa história, Lucas põe em evidência dois protagonistas: Pedro e Paulo.
Enquanto a missão da igreja limitava-se aos judeus em suas próprias fronteiras e aos judeus helenistas da dispersão (At 1-12), Lucas coloca em evidência a pessoa do apóstolo Pedro. No entanto, a partir do capítulo 13, quando a igreja em Antioquia reune-se, e, sob a orientação do Espírito, planeja e decide enviar missionários para a missão estrangeira, para a missão transcultural, Lucas põe em evidência a pessoa do apóstolo Paulo.
Por que Deus escolheu Paulo e não Pedro para a realização da obra missionária transcultural? Não temos condições de responder a esta pergunta com precisão. Mas podemos supôr e arriscar falar sobre uma das possíveis razões. Provalvelmente, uma das razões esteja relacionada com a questão do preparo especícifico. Paulo dispunha de mais ferramentas do que Pedro com as quais Deus poderia contar para uma evangelização mais eficaz no mundo gentio. Ao contrário de Pedro, Paulo era um homem de dois mundos. Era hebreu filho de hebreus (Fp 3.5), falava hebraico (At 21.40), era um profundo conhecedor da lei, tinha formação farisaica (At 22.3) , era um judeu zeloso. Por outro lado, era um cidadão romano, filho de Judeus da diáspora, nascido na importante cidade de Tarso na Cilícia (At 21.39), falava grego (At 21.37), conhecia a cultura e a literatura grega (At 17.17,18, 28). Resumindo, Paulo estava apto para lidar bem melhor do que Pedro, com judeus e com gentios.
Quando lemos o livro de Atos percebemos que as ferramentas que Paulo dispunha lhe foram muito útil no seu trabalho de evangelização. Ele estava apto para chegar numa cidade, ir a uma sinagoga de judeus, expôr as Escrituras com profundidade e demonstrar que o Jesus de Nazaré, era o cumprimento das esperanças messiânicas judaicas (At 17.1-3; 18.4-5). Por outro lado, ele também estava apto para chegar em uma cidade como Atenas, o centro filosófico da Grécia, discutir com filósofos de diferentes correntes filosóficas (epicureus e estóicos), testemunhar de Jesus, não como o cumprimento das esperanças messiânicas, mas como sendo o “Deus Desconhecido” adorado pelos Atenienses. Ele estava apto para combater a idolatria dos atenienses fazendo uso, não de textos das Escrituras hebráicas, mas fazendo uso de citações de poetas gregos. Resumindo, Paulo estava apto para proclamar a mensagem do evangelho de maneira contextualizada, relevante tanto para judeus quanto para gentios. E não somente para gentios cultos, mas também iletrados e incultos (At 14.14-18). Deus sabia que podia contar com as qualificações e com as ferramentas que Paulo dispunha.
2.Cada ministério missionário exige do missionário um preparo específico.
O que se quer mostrar com esta exposição, é que a igreja e seus líderes precisam entender a necessidade que o missionário tem de um preparo específico para um ministério missionário específico. Muitas vezes há uma tendência a espiritualizar de mais as coisas e a colocar em oposição melhor preparo e poder do Espírito. Biblicamente, no entanto, melhor preparo e poder do Espírito não são duas coisas incompatíveis. Treinamento mais especializado e depedência do Espírito na realização da obra missionária não se excluem mutuamente; pelo contrário, se complementam. De maneira que, é possível termos missionários piedosos e ao mesmo tempo bem preparados.
Portanto, é preciso que se reconheça a necessidade de equipar melhor os candidatos à obra missionária transcultural. Além de um treinamento teológico e missiológico, é extremamente importante que o missionário que vai ao campo transcultural tenha um treinamento nas áreas de lingüística e antropologia cultural. Não se deve entender como uma perda de tempo e recursos o investimento que é feito em tempo e dinheiro para um melhor preparo do missionário. É melhor que ele demore um pouquinho mais aqui adquirindo melhores ferramentas e chegue ao campo em condições de desenvolver um trabalho mais eficaz em menos tempo, do que ele ir imediatamente com uma grande probabilidade de também retornar imediatamente após ter causado um bom estrago no campo ou até mesmo fechado portas para outros.
Para a obra missionária transcultural, conhecimento bíblico é extremamente importante, mas não é suficiente. O ideal é que o missionário esteja munido com o “tripé básico” (R. Lidório) da formação missionária: lingüística, missiologia e antropologia cultural.
3. Cada ministério missionário em campo missionário específico obtém resultados em intervalos de tempo distintos.
Todos os trabalhos missionários transculturais realizados pelo apóstolo Paulo registrados no livro de Atos apresentaram resultados visíveis dentro de um intervalo de tempo que classificaríamos hoje como sendo “resultados a curto prazo”. Os dois trabalhos missionários com os quais Paulo gastou mais tempo foram os das cidades de Corinto (1 ano e 6 messes, At 18.11) e Éfeso (aproximadamente 3 anos, At 20.31). A grande questão hoje, é que são poucos os trabalhos missionários transculturais que apresentam resultados visíveis a curto prazo. Tomando os trabalhos missionários da igreja do primeiro século como padrão, boa parte da igreja hoje e de seus líderes fica decepcionada ou desanimada ao ouvirem alguns relatórios de trabalhos missionários que já apóiam a alguns anos.
No entanto, antes de se tomar como padrão os trabalhos missionários registrados por Lucas, é preciso que se pondere melhor alguns fatores externos que contribuíram grandemente para que tais trabalhos fossem realizados com mais eficácia e em menos tempo: havia uma língua geral de comunicação, o Grego Koinê; havia uma cultura dominante, a greco-romana; e havia uma tradução (Septuaginta) das Escrituras (AT) na língua dominante da época; havia também um “terreno” preparado pela atividade missionária dos judeus no mundo conhecido da época. Eles disseminaram a sua ética moral e a sua doutrina monoteísta e levaram muitos gentios a se tornarem adoradores de Jeová. Os primeiros missionários cristãos fizeram uso dessa língua, dessa tradução e dessa cultura dominante para proclamar o evangelho de maneira relevante para os judeus da diáspora, para os já “preparados” gentios “tementes a Deus” e os prosélitos do judaísmo.
Existem hoje ministérios missionários que apresentam resultados visíveis a curto prazo. Existem outros, no entanto, em que os resultados só começam aparecer a médio e longo prazo. Esses apresentam graus de dificuldades maiores: Uma língua diferente da do missionário, que, em alguns casos, nem escrita tem. Na maioria dos casos, o missionário vai iniciar o aprendizado da língua, fazer uma análise da mesma, produzir material didático para alfabetizar os nativos e traduzir as Escrituras. Somente após adquirir um bom domínio da língua e da cultura é que ele vai começar comunicar o evangelho.
Conclusão
Muitas igrejas e líderes têm uma dificuldade enorme de reconhecer a necessidade de um preparo específico para o candidado ao campo missionário transcultural bem como de continuar investindo e apoiando ministérios missionários que não obtém resultados visíveis a curto prazo (não plantam igrejas nem realizam batismos nos primeros anos de trabalho).
O que se quer comunicar com esta exposição para as igrejas e seus líderes é que cada ministério missionário requer do missionário um preparo específico, e que cada ministério missionário em campos missionários específicos obtém resultados em intervalos de tempo distintos: a curto, a médio, e a longo prazo. O que compete a cada missionário é semear e regar, o crescimento, porém, é da competência de Deus (1Co 3.6, 7).
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