( Atos 5)
… Não me lembro de já ter ouvido uma pregação sobre o episódio de Ananias e Safira. Posso ter ouvido, mas não me lembro. É um texto pouco concorrido dentre os textos referentes à Igreja Primitiva. Isso porque é atordoante para nossa mente conceber essa trágica ocorrência em meio às páginas do Novo Testamento. Parece mais algum daqueles estranhos eventos típicos do Antigo Testamento, onde ocasionalmente alguém caía morto e estatelado no chão, por conta de algum juízo fulminante dos céus, como aconteceu com Uzá ao amparar a Arca..ou quando não, com grupos inteiros que amanheciam cadavéricos, como os primogênitos egípcios e alguns exércitos inimigos de Israel. A única vez que ouvi alguém se valer do texto que abre o capítulo 5 de Atos foi numa reunião de liderança da igreja onde congreguei, que estava preocupada com a “disseminação” do Espírito da Graça no meio do povo, gerando um “evangelho raso e descomprometido” – no entender deles. E para, então, exemplificar que a coisa no meio da comunidade não é tão “largada” assim, se disse: “Afinal, Ananias e Safira estão no Novo Testamento.” Ou seja, a Graça não é tão Graça assim como se tem pensado, pois caso fosse, Ananias e sua esposa não teriam sido mortalmente castigados por Deus, bem em meio às páginas do Livro de Atos dos Apóstolos, mesmo depois da morte e ressurreição de Cristo, que tomou sobre si os nossos pecados; ou seja, bem dentro da própria “dispensação” da Graça – para quem acredita nisso.
Então, ao refletir sobre o texto, fiquei ainda mais convicto do seguinte: Fora do caminho da Graça em Cristo não há caminho a ser feito!
Fora do Caminho da Graça que nos expõem a verdade do ser, qualquer caminho leva à morte. Ou se É o que se É, ou não há o que ser, sem que isso que somos-sem-ser nos mate! Vejo Deus sendo tão enfático com esse princípio do Evangelho em outro contexto igualmente estranho, pregado por um pastor em igreja: A figueira amaldiçoada morreu pelo mesmo motivo . Suas exuberantes folhagens indicavam a presença de fruto, mas quando Jesus se aproximou dela, viu que a árvore demonstrava possuir aquilo que, de fato, não tinha em si, numa estação da vida que todas as demais figueiras estavam nuas porque era outono.
Mas, enfim, por que Ananias e Safira morreram?
No caso de Ananias e Safira, não foi à avareza que os matou; não morreram porque retiveram parte do dinheiro. Não foi o egoísmo que os matou; não morreram porque não eram generosos o suficiente. Logo, não foi o descumprimento de qualquer norma, Lei, lista ou regra que os matou! Não. Morreram… porque mentiram!
Morreram porque pensaram que podiam se passar por aquilo que não eram. Mentiram ao apóstolo? Não. Não foi Pedro quem os matou. Não foi Pedro quem os julgou. Pedro não levantou a mão e nem se mexeu para cortar as orelhas de ninguém dessa vez!Foi Deus Quem os julgou. Morreram porque mentiram para Deus. Logo, mentir para Deus é sempre mortal. Mas, como se mente para Deus ?
Mente-se para Deus quando se finge para os homens sobre o agir de Deus em nós!
Mente-se para Deus quando se procura enganar os outros acerca da estação ou do estágio da obra de Deus no coração.A mentira denunciada aqui não é a mentira de ter ou não ter. De possuir ou não possuir. De fazer ou não fazer. É a mentira de ser!É a necessidade doentia de se passar por algo que não se É, só para receber, por uma via clandestina a via do Espírito, os benefícios de ser e pertencer a síndrome de Ananias e Safira. Quando fingimos ser o que não somos para parecer que somos em Deus, mentimos para Deus, ainda que o enganado seja o outro irmão de Caminhada. E essa atitude revela uma condição existencial condenada e mortal – é a síndrome de Ananias e Safira, que mata a gente mesmo quando a gente continua vivo. Portanto, o que o texto de Atos 5 denuncia é a mentira de ser.O que precisa ser dito é que a mentira de ser em Deus aquilo que ainda não se é, tomou conta da experiência religiosa de nossos dias, de forma que a síndrome de Ananias e Safira virou uma verdadeira epidemia espiritual no meio cristão, com alto grau de virulência. E tal síndrome é a maior obra do Diabo em nosso tempo: “Por que deixastes Satanás encher o teu coração.?” - foi o que Pedro lhes perguntou quando discerniu a sugestão maligna. Ora, pensemos então: Se todos nós fôssemos julgados a exemplo de Ananias e Safira diante de Pedro, um enfartamento generalizado se daria, tal como tombam as pedras de dominó! Nossos cultos cheios de teatralidades devocionais, encenações litúrgicas, representações piedosas e devoções inventadas acabariam por falta de quórum! Porque o homem mente mesmo! Mente tanto que quando Deus quis enfatizar que não mente, disse que não era homem para mentir!Acredito - dentro do espírito das Escrituras - que foi para nosso exemplo e ilustração que se deu o que se lê em Atos 5, “pois tudo o que outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito. ”Como aconteceu com Sodoma e Gomorra e também com a primeira geração de israelitas que tiveram “seus corpos espalhados pelo deserto”, “tudo isso lhes aconteceu como exemplos, e estas coisas estão escritas para nosso aviso, para quem já são chegados os fins dos séculos” temos que entender que não somos melhores do que aqueles para os quais a história bíblica registrou uma espécie de antecipação do Juízo. Na verdade, o juízo não foi antecipado nesses casos pontuais, mas sim, tem sido retardado em nosso caso, essa geração pós-diluviana, que sempre foi também incrédula e perversa, pois já faz tempo que viu Deus que os homens eram maus em sua natureza.
O próprio Pedro, em sua segunda carta, acrescenta que tudo que tem sido reservado para o dia do juízo tem demorado a se manifestar, porque Deus é paciente, e não quer que ninguém se perca, senão que todos venham a concordarem com Ele acerca de si mesmos, em arrependimento. É assim porque a misericórdia sempre triunfa sobre o juízo. E assim porque as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã! Se não fora o Senhor. Todavia, o que nos faz pensar, então, que somos melhores do que eles foram, se sabemos que é a misericórdia do Senhor que nos preserva ainda? O que nos faz pensar que nossas cidades são melhores do que Sodoma?
Jesus afirmou que no dia do juízo haverá menor rigor para Sodoma e Gomorra do que para a cidade que não recebeu o Evangelho, e acrescentou que se os milagres realizados em Cafarnaum tivessem sido realizados em Sodoma ela não teria sido subjugada, mas permaneceria até hoje!, há muito já teriam se convertido! O que nos faz pensar que somos melhores que o povo de dura cerviz dos quarenta anos de deserto? Essa presunção é a mesma que Israel tinha em relação aos povos cananeus que encheram a medida da tolerância divina com seus pecados. Mas Deus lhes afirma que eles não são melhores do que os povos que foram tirados de diante deles. Se tivessem aprendido a Eleição da Graça, poderiam ter construído uma Nação amante do Senhor, humilde, fiel e dependente de Seu Deus; pois Deus escolheu Jacó (Israel) no ventre, antes dele haver feito qualquer mal ou bem; antes dele vir a ser o “mocinho” da história em relação a Esaú, o que, inclusive, nunca foi o caso. O que Jesus respondeu quando indagado sobre os galileus cujo sangue Pilatos misturara com os sacrifícios que eles realizavam? “Pensais que esses galileus foram mais pecadores do que todos os outros, por terem padecido tais coisas? Não” Eu vos digo que se não vos converterdes, igualmente perecereis!Ou aqueles dezoito, sobre os quais desabou uma torre, pensais que foram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não! Eu vos digo que se não vos converterdes, igualmente perecereis!” Portanto, se é para o nosso ensino que estas descrições estão registradas nas Escrituras, então aprendamos com temor e tremor reais que: Toda mentira de ser é mentira contra Deus. Porque Ele quem opera em nós o Seu querer e efetuar. Ele é Autor e Consumador da nossa Fé. Ele é o Oleiro, e nós o barro em suas mãos. Ele quem faz a poda e gera os frutos no galho ligado a videira, porque nenhum galho dá fruto por si próprio, posto que todo fruto que dá, ele o faz por alimentar-se da Seiva da Videira de tal modo, que Jesus conclui afirmando: “sem Mim nada podeis fazer (de vós mesmos)” e Paulo acrescenta em Romanos 11: “.Não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz a ti”.Preocupado com o câncer invasivo que a mentira de ser gera em nós, é que Paulo pede que ninguém pense dele mais do que nele vê, e dele ouve. Senão, veja: No contexto antecedente (Atos 4), Barnabé vendeu uma propriedade, trouxe o dinheiro todo, e o depositou aos pés dos apóstolos. A atitude de Barnabé exemplificava o espírito que tomava conta da igreja naqueles dias primais: “Da multidão dos que creram era só um o coração e a alma, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns”… Não havia entre eles, necessitado algum, pois o gesto de Barnabé foi o gesto de muitos, que espontaneamente e cheios de misericórdia e consolação social, doaram seus bens e a si próprios, porque em “todos eles havia abundante Graça”.Então, aparece o casal em questão. Eles queriam projeção comunitária, queriam parecer ser aquilo que não eram, queriam queimar etapas rumo ao crescimento espiritual. Para tanto, venderam a propriedade que não queriam vender. Doaram o dinheiro que não queriam doar. E como não queriam doar tudo, pois nem vender estava no coração deles, doaram parte. Porque o que eles mais queriam, era fingir ser o que não eram, queriam falsificar a Obra de Deus no coração.Mas a Obra de Deus no coração humano é de Deus, não é nossa. Quando a gente se mete, só atrapalha. E toda vez que não se encontra segurança no amor de Deus, a gente sempre se põe a dar uma forcinha para Deus, artificializando o processo todo. É por isso que se diz que o casal mentiu ao Espírito de Deus, e não aos homens. “Crescer em entendimento e experiência da Graça de Deus na presente existência, demanda de nós esforço, compromisso, e busca disciplinada de desenvolvimento interior, e que é fruto de auto-exame, e de auto-discernimento, tarefa que seria insuportável sem um coração pacificado pela Graça.”O que os cristãos precisam saber é que Não há melhor lugar para conhecer nossa própria verdade, senão no solo seguro da Graça de Deus, onde não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus! Há somente aceitação e renovação!Primeiro se percebe tal qual se é; depois o Espírito promove seus frutos em nós, enchendo a vida de paz, alegria e amor!
E toda conquista interior que lhe aconteça, não é mérito, mas Graça de Deus sobre ele; e sobre tais conquistas ele não fica alardeando com a boca, visto que, se são verdadeiras, elas serão percebidas pelo fruto da vida, em amor e misericórdia. É por isso, que eu sei que o coração de Ananias e da sua mulher não estavam convertidos à pregação de Pedro e dos demais, mas tão somente, estavam de brincadeira no circuito da fé! Buscando iludir comunidade e Divindade. Fora da Graça, todo caminho é um Atalho!
Ananias estava buscando um atalho dentre os que eram do Caminho. Tentou fazer o Caminho da Vida se valendo de um Atalho de Morte. O coração deles não se abriu para a graça que liberta, e sem paz no coração, toda construção espiritual é um atalho mortal.Hoje, a síndrome de Ananias e Safira se manifesta, principalmente, quando se percebe que, para corresponder o quanto antes à norma massificada, as pessoas artificializam o agir de Deus, operando em si mesmas uma ‘transformação de ocasião’, uma conversão para fins eclesiásticos, uma supressão de tudo que choca a religião, uma espiritualidade ‘de fachada’, mas compatível com a média comunitária. A síndrome de Ananias e Safira carregam como principal sintoma essa falsificação do lavar regenerador e renovador do Espírito - que dá conta de instituir mudanças para fora do ser, exclusivamente comportamentalista, baseadas no fazer e mensuradas pelo desempenho, sem seu correspondente interior de crescimento na Graça e na Verdade. É a figueira sem frutos, mas adornada de folhagens, que camuflam a nudez própria do outono da vida. Desse modo, “no Caminho”, não há ninguém que não seja forçado a se enxergar e a crescer. E isto acontece quando a existência nos chama de nossas sombras, expõe as nossas entranhas e estranhas motivações; ou, muitas vezes, as tentações de poder latentes em nós”. Fazendo caminho contra a mentira de ser , assim como Pedro não pediu que eles vendessem campo algum e muito menos que doassem o dinheiro, também não estou reclamando que as pessoas se rasguem em sinceríssimos, em ânsias de autenticidade, em necessidade de se expor, em auto-obrigação de se derramar. Não. Não estou pedindo nada que não seja voluntário e próprio.Na comunidade dos “do Caminho”, não se está pedindo para ninguém se abrir sem querer fazê-lo, nem para dar o que não tem, nem para escancarar suas intimidades, nem para andar pelado por aí. Não é isso…Estou pedindo que, caso o façam, o façam de verdade e em verdade! Estou pedindo que, quando isso acontecer, que aquilo que é revelado seja unicamente a verdade do ser, a verdade de ser e a verdade do que se é. Que seu gesto corresponda a sua realidade. Que sua atitude seja fruto da sua espontaneidade. Que sua vida no caminho seja em verdade!A verdade, seja ela qual for na vida, é a única coisa que interessa no Caminho.O que passar disso - como já se sabe - provém do maligno.
Referências: (1. 2 Samuel 6.7) ( Êxodo 11) (2 Reis 19.35) (Mateus 21.18-22) (/Marcos 11.20-25) (Atos 5.3) (Rom. 15.4) (1 Cor. 10.6,11) (Gen. 8.21) (2 Pedro 3) (Mateus 10) (Lucas 13) (2 Coríntios 12.6) O Caminho da Graça para todos, Ananias e Safira foram mortos pela Liberdade na Graça. Tudo era deles (liberdade). Poderiam dar ou não (liberdade). Escolheram usar a liberdade para a mentira (morte). Liberdade sem verdade, mata. E quem assim faz, se mata. Na Graça só há liberdade na verdade. Fora dela, toda liberdade é juízo; pois o que liberta é a Verdade. Assim, um avaro honesto ainda é melhor do que um pseudo-generoso-mentiroso. O único dogma do Caminho é a fé que atua pelo amor. E seu único anti-dogma é a liberdade que escolhe a mentira. O primeiro dá vida. O segundo mata...
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